O facto de a União Europeia (UE) continuar a não possuir uma Política de Defesa Comum e um Exército Europeu inibe-a de se tornar um agente claro em matérias de Defesa e Segurança a par das principais potências.
Como é sabido, o maior obstáculo à concretização desta política é a necessidade de uma maior integração, constante nos propósitos fundadores da União – uma Europa Federal com uma Política de Defesa Comum e capacitada de um Exército Europeu. Propósitos de uma Europa Federal que limitasse os poderes dos Estados, capaz de unificar as fronteiras europeias conferindo-lhes disciplina e organização de ação política a nível europeu. Uma Europa do progresso e da participação popular. Desafios que ainda hoje são postos em causa e que impossibilitam a União de prosseguir rumo ao seu desígnio inicial de unificação justa e pacífica.
Contudo, a esperança no cumprimento desta promessa fundadora continua a ecoar nos dias de hoje, apesar de todas as adversidades. Em 2018, Emmanuel Macron lança, novamente, o apelo à criação de um exército europeu, numa situação particularmente difícil entre as relações euro-atlânticas e como forma de responder à hegemonia da China, às tensões com a Rússia e aos EUA após a sua retirada do acordo Intermediate Range Nuclear Forces Treaty, assinado em 1987. Este desiderato ressurge com a reeleição de Donald Trump e com o expectável recentrar da Política Externa e de Segurança dos EUA no Indo-Pacífico e na concorrência com a China.
A célebre declaração de Macron de morte cerebral da NATO a propósito das inúmeras intervenções militares, muitas delas desastrosas, obriga a reflexão. Tomem-se por exemplos: a invasão do Iraque (2003), a invasão da Geórgia pela Rússia (2008) e invasão da Crimeia (2014); a Intervenção na Líbia (2011) e a violação do embargo de armas com incidentes dramáticos entre a França e a Turquia; Crise no Mediterrâneo Oriental; as forças de coligação na Síria (2014) e as dificuldades em lidar com a Turquia; a retirada do Afeganistão (2021) e a guerra entre a Rússia e a Ucrânia (a decorrer). Tudo isto insta a UE a se afirmar dando resposta a uma necessidade de autonomia logística, mas sobretudo estratégica, conferindo à Europa uma outra via de ação que lhe permita reger-se pelos seus princípios e necessidades geopolíticas.
Rumo a uma política de defesa comum e um exército europeu – Progressos Alcançados
Iniciativas como as da criação do Fundo Europeu de Defesa (FED) e da Cooperação Permanente Estruturada (PESCO) têm como objetivos específicos financiar projetos de investigação na área da defesa, projetos de cooperação militar e o desenvolvimento da indústria de defesa, em colaboração estreita com os Estados Membros. A União tem vindo a desenvolver um caminho rumo a uma possível integração no domínio da defesa, acentuada com o decorrer de uma guerra na sua vizinhança. O propósito é o de aumentar a capacidade dos Estados Membros de se defenderem individualmente, pese embora, o distanciamento da ideia de um exército coletivo no âmbito da União. Apesar de todas as cautelas demonstradas, é nosso entender, que de facto a UE segue nessa direção, porém muito lentamente.
Um dos exemplos mais marcantes é a iniciativa European Intervention Initiative (EI2) liderada por Macron, fora do quadro europeu, e que conta já com treze membros – Bélgica, Dinamarca, Estónia, Finlândia, França, Alemanha, Países Baixos, Noruega, Portugal, Espanha, Suécia, Itália e Reino Unido – e cuja missão é desenvolver as capacidades dos Estados Membros para colaborarem em missões militares no âmbito da UE, NATO e ONU, procurando criar uma cultura estratégica coletiva.
O caminho para a concretização das promessas feitas no domínio da defesa pode passar precisamente, numa primeira fase, por iniciativas desta natureza. A constituição de um exército europeu tem três vias possíveis: 1) No âmbito do quadro legal da UE, recorrendo ao Art. 42 do TUE, segundo o qual, a política de defesa comum pode ser estabelecida através de uma decisão unânime do Conselho Europeu. Assim sendo, no que se refere a um exército europeu este teria que ser posteriormente, submetido a referendo nos Estados Membros; 2) recorrendo ao Art. 20 do TUE, que permite a um mínimo de 9 Estados Membros avançarem com uma cooperação reforçada; ou 3) fora do quadro da UE, como é exemplo o Tratado de Aachen (2019). O acordo é apresentado como a vontade de fomentar uma cultura militar comum e surge da ambição de Macron em criar uma solução não só para um problema europeu, mas também francês, uma vez que a França é o país que possui o maior contingente de forças a atuar no estrangeiro e, com a saída do Reino Unido, a única potência nuclear na Europa.
Quanto à opinião pública, o Eurobarómetro de 2024, refere como prioridades dos cidadãos europeus a segurança e defesa (29%) e a guerra na Ucrânia (25%). Quanto aos desafios futuros a Guerra da Ucrânia destaca-se em primeiro lugar, com 50% dos inquiridos, a considerá-la o principal desafio. Os dados demonstram igualmente que 64% dos cidadãos europeus se preocupam com a segurança da União nos próximos cinco anos. No que respeita à defesa, 77% dos europeus são a favor de uma política de defesa e segurança comum entre os países da UE, enquanto 71% dos cidadãos da UE concordam que a UE precisa de reforçar a sua capacidade de produzir equipamento militar. Ao mesmo tempo, 69% dos cidadãos da UE são a favor de uma política externa comum dos Estados-Membros.
Avançar para uma União de Segurança e Defesa é um dos propósitos da Comissão Von Der Leyen.
Muitos países europeus reforçaram a prontidão das suas forças armadas em resposta a crises, e a própria União Europeia começou a mobilizar recursos significativos na área da Defesa, lançando, em 2017, o Fundo Europeu de Defesa, que disponibiliza 8 mil milhões de euros provenientes do orçamento geral da EU, ao longo de sete anos, para subsidiar colaborações entre os Estados Membros. Ainda em 2017, sob iniciativa de Federica Mogherini, foi criado o Mecanismo Europeu para a Paz, com verbas atuais de 17 mil milhões de euros, destinado a cobrir custos de operações militares lideradas pelas forças europeias.
O Impacto da Guerra na Ucrânia
“ Em 2024, os aliados da NATO na Europa investirão um total combinado de 380 mil milhões em defesa. Pela primeira vez, isso equivale a um total de 2% do PIB”- Stoltenberg
As despesas com a defesa na Europa aumentaram 16% entre 2022 e 2023, atingindo um total de 552 mil milhões em 2023. Sendo neste momento mais elevadas do que no último ano da Guerra Fria. Todos os países europeus membros da NATO, com a exceção da Grécia, Itália, e Roménia, aumentaram as suas despesas militares em 2023, com a Polónia a mais do que duplicar o seu orçamento, 3,8% do PIB em 2023, e o Reino Unido a encabeçar a lista gastando 2.3% do seu PIB em compra de armamento. A Alemanha abandonou a sua política de contenção e entre 2014 e 2023 aumentou em 48% o seu orçamento em defesa. Quanto à meta de 2% do PIB em contribuições para a NATO, em 2014 apenas três países a cumpriram, em 2023 o número subiu para dez, e atualmente vinte e quatro dos trinta e dois países cumprem com a meta. A nível europeu este incremento é encabeçado pela Alemanha, Reino Unido, França e Polónia. Entre os que continuam a não cumprir encontram-se: a Croácia (1.81%); Portugal (1.55%); Itália (1.49%); Canadá (1.37%); Bélgica (1.30%); Luxemburgo (1.29%); Eslovénia (1.29%) e Espanha (1.28%).
O caminho tem sido feito e a Europa está de longe mais robusta e próxima de alcançar, numa década, uma eventual União na sua defesa, mas os anos de desinvestimento e negação fizeram com que o fosso face ao resto do mundo se agrava-se. Segundo o SIPRI, desde 2000, a Rússia aumentou 360% em despesas militares; a China empregou mais de 596%, os EUA, 60%, na Europa as despesas diminuíram ou mantiveram-se relativamente estáveis até ao início de 2020, quando aumentou 50%. Como demonstra o estudo realizado pelo IISS em 2019, os países europeus necessitariam de um investimento de 357 mil milhões de euros para construir uma força capaz de afrontar o artigo 5.º sem o auxílio dos EUA.
“Spend more, Spend better, Spend European”- Von Der Leyen
Quer o anterior mandato de Ursula Von Der Leyen, quer o que se inicia manifestam um claro empenho no domínio da defesa europeia. É disso exemplo o impulso para a criação de uma Base Industrial Tecnológica de Defesa Europeia (EDTIB) que visa garantir a liberdade de ação europeia e satisfazer as necessidades de autonomia e soberania operacional, priorizando a aquisição conjunta de equipamento militar e apoiando a indústria de defesa europeia - que muitos veem como a criação de um verdadeiro mercado único para os produtos e serviços de defesa. Para tal, a Comissão prevê a introdução de quotas para a indústria de defesa e o compromisso dos Estados Membros na aquisição de 40% de equipamento militar até 2030, dos quais 50% de fabrico europeu, aumentando para 60% em 2035.
No seu discurso ao Parlamento Europeu, em Fevereiro de 2024, a Presidente da Comissão Europeia frisou: “Dar esse passo juntos na defesa não será fácil. Exigirá decisões ousadas e coragem política. E exigirá acima de tudo uma nova mentalidade de defesa europeia, das instituições à indústria e aos investidores”.
Considerações
A conjuntura atual levou a Europa a dar um salto no vazio. O que desde a sua fundação esteve previsto, embora não cumprido e muitas vezes contestado, ganha agora um novo fulgor. Uma vez mais Jean Monnet revela-se – a Europa será forjada nas crises e será a soma das soluções adotadas para essas crises.
A braços com uma guerra à porta, a Europa fez o que não fazia há décadas. A verdade é que, como bloco político-económico, a União encontra-se amputada sem um braço militar. Estamos em crer que não só demonstrou ter capacidade para se reorganizar, como no seu conjunto, e com o investimento adequado, pode competir lado a lado com outras grandes potências, prova disso é o orçamento militar no total dos Estados Membros de 312 mil milhões de dólares, o segundo maior, ficando só atrás dos EUA, com 916MM, e à frente da China, com 296MM, e da Rússia, com 109MM. Quanto às forças combinadas europeias, elas têm a seu favor uma capacidade de recrutamento entre os 444 milhões de habitantes europeus, maior do que a da Rússia e a dos EUA. A indústria de defesa europeia é considerada uma das melhores, e seis países europeus estão entre os dez maiores exportadores mundiais de armas. Ou seja, a Europa produz, mas não com o intuito de satisfazer as suas exigências internas. Tal como referido no Relatório Draghi, entre Junho de 2020 e Junho de 2023, 78% das despesas de aquisição foram efetuadas a fornecedores não europeus, sendo 63% destes dos EUA. Uma vez mais, o que falta é visão política e união num propósito comum.
Gostaríamos por último de dedicar estas linhas finais a uma ideia que nos parece de suma importância. O foco e papel da Europa deve ser sempre o da paz e da diplomacia, com uma forte componente humanitária. Este é seu desígnio!
Dito isto, não invalida que a mesma não possua mecanismos dissuasores e de autoproteção.
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